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Brasil precisa investir em educação, ciência e pesquisa, garante professor alemão

O professor Dieter Rombach, do Instituto Fraunhofer, explica como resolver a crise brasileira mirando no exemplo da Alemanha

Thais Borges (thais.borges@redebahia.com.br)
Atualizado em 30/06/2017 13:04:35

Se o Brasil quiser superar a crise econômica, é preciso investir em educação, ciência e pesquisa para promover inovação. Pelo menos, essa é uma das lições que o país pode tirar da experiência da Alemanha, segundo o professor Dieter Rombach, diretor-executivo do Instituto Fraunhofer - a maior organização de pesquisa aplicada da Europa. “O sucesso da indústria alemã baseia-se em produtos inovadores e de alta qualidade. Reduzir o investimento em inovação teria consequências terríveis”. Além disso, para ele, é preciso também promover reformas sociais e trabalhistas.

Em entrevista ao CORREIO, o professor Rombach explica as medidas adotadas pela Alemanha e avalia o desenvolvimento de pesquisas na Bahia. O Fórum Agenda Bahia é uma realização do jornal CORREIO e da rádio CBN, em parceria com a Braskem, Coelba, Fieb e prefeitura de Salvador.

Dieter Rombach diz que a união entre governo, empresas e pesquisa é fundamental (Foto: Divulgação)

Como a Alemanha conseguiu enfrentar a crise econômica global? Que programas e que tipo de investimento o senhor destacaria?
Ainda não conseguimos superar totalmente a crise. As taxas de juros muito baixas têm colocado o euro sob pressão e a incerteza quanto à possibilidade de agravamento da situação acaba nos levando a tomar decisões de gestão muito cuidadosas e restritivas. No entanto, a Alemanha tomou um caminho bem-sucedido até agora. Por um lado, nem o governo e nem a indústria cortaram completamente seu investimento em pesquisa e inovação. Embora tenha havido um declínio na quantidade de dinheiro investido em inovação, quando falamos em relação ao volume de negócios de muitas empresas, houve aumento relativo dos investimentos. O sucesso da indústria alemã baseia-se em produtos inovadores e de alta qualidade. Reduzir o investimento em inovação teria  consequências terríveis.

E o governo?
Investiu ainda mais na educação e na pesquisa, apesar da crise. A Alemanha não tem recursos minerais. O principal recurso do país é sua força de trabalho altamente qualificada e sua capacidade para inovações de engenharia de ponta. Portanto, foi uma decisão crucial. Mas o governo também apoiou a indústria, fornecendo a base legal e financeira para permitir acordos de trabalho de curta duração ou criando programas de incentivo para a estabilização do mercado interno.

De que forma a união entre governo, empresas e centros de pesquisa aumenta a produtividade na Alemanha?
Tome (a organização) Fraunhofer como exemplo. Fraunhofer foi fundada após a Segunda Guerra Mundial, em uma situação econômica difícil para facilitar a transferência de resultados de pesquisa para a indústria, com o objetivo de aumentar a velocidade da inovação. Esse conceito ainda é válido. É muito importante que o ciclo de inovação seja completo, desde pesquisa pura até pesquisa aplicada; do desenvolvimento avançado até o desenvolvimento de produtos. Esta estrutura está disponível na Alemanha e foi  importante para a resiliência alemã à crise econômica. Portanto, é importante construir essa estrutura de inovação como espinha dorsal para o sucesso econômico sustentável.

Que políticas de incentivo têm ajudado a desenvolver a competitividade da Alemanha?
O governo alemão financia parcerias público-privadas na forma de projetos de pesquisa colaborativa. Trata-se de um apoio direto à indústria, mas, em especial, à colaboração entre pesquisa e indústria, a fim de acelerar a transformação dos resultados da investigação em práticas. Para as pequenas e médias empresas (PMEs), o Ministério da Educação e Pesquisa alemão (BMBF) lançou uma iniciativa específica de financiamento em 2007.  A KMU-inovadora (PME-inovadora, em alemão) teve uma resposta extraordinariamente positiva. Está sendo usada em toda a Alemanha e satisfaz as necessidades específicas das PMEs que pretendem fazer pesquisa de ponta. Até hoje, foram aprovados mais de 1,011 milhão de euros para mais de 1,5 mil projetos envolvendo mais de 2,3 mil PMEs. Além disso, existem alguns programas de incentivo para o mercado interno, como um bônus para incentivar as pessoas a comprar carros novos.

Qual é a participação das Pequenas e Médias Empresas (PMEs) nas exportações?
Mais de 99% de todas as empresas alemãs são PMEs. Elas geram 37% das receitas e empregam cerca de 60% da força de trabalho (15 milhões em 2012). As PMEs são muito inovadoras, investem recursos próprios em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) ou colaboram em P&D com parceiros. No entanto, são responsáveis por apenas cerca de 17% da exportação alemã, o que significa que o negócio de exportação alemão é bastante dominado por grandes empresas.

Como incentivam a formação de jovens na Alemanha? Como o país retém seus talentos?
Em muitos estados alemães, os programas universitários são gratuitos. Os jovens cujas famílias não podem pagar suas despesas de subsistência podem pleitear um subsídio. Além disso, muitas fundações oferecem bolsas de estudo. A Alemanha tem um sistema de aprendizagem bem estruturado e bem-sucedido. Muitos jovens fazem estágio de três anos, que consiste em treinamento remunerado e escola vocacional. A maioria dos estágios é oferecida por PMEs. O aspecto mais importante para reter o talento é proporcionar excelentes condições de trabalho. Isso inclui um salário competitivo e contratos de longo prazo, bem como perfis de trabalho interessantes, liberdade suficiente e recursos para a inovação.

Como o senhor avalia o desempenho da Bahia no campo da pesquisa e da inovação?
O estado da Bahia desempenha um papel importante na pesquisa no Brasil, principalmente pelas colaborações estabelecidas por suas universidades, como projetos envolvendo a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e o Instituto Fraunhofer. Por exemplo, “Rescuer” é um projeto colaborativo entre a Europa e o Brasil, no qual os membros estão desenvolvendo um sistema para gerenciar emergências em parques industriais e em grandes eventos, como jogos de futebol, com base nas informações enviadas pela multidão no local. No projeto, o Centro de Projetos Fraunhofer para Engenharia de Software e Sistemas da Ufba (FPC-Ufba) se tornou o principal fornecedor de soluções inovadoras para o projeto. Isso dá visibilidade internacional ao estado. Outro aspecto é o apoio do governo, por meio do Parque Tecnológico e do Laboratório Smart City. Vale mencionar que as empresas são fundamentais para a pesquisa. Somente se os resultados da pesquisa forem transferidos para a indústria é que as grandes ideias podem se transformar em inovações que vão fortalecer a indústria local.

Em geral, as empresas brasileiras estimulam a inovação em seus processos? E no caso das empresas da Bahia?
As empresas brasileiras devem buscar a inovação de forma mais intensa. Usar os incentivos oferecidos pelo governo e, se necessário, investir seus próprios recursos, pois sem inovação a competitividade das empresas brasileiras diminuirá. Elas vão exportar menos e, como um efeito cascata, todo o país vai ser prejudicado. O governo brasileiro criou incentivos para estimular a inovação no país, como a Lei da Informática, a Lei do Petróleo e a Lei do Bem. Há também a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial).  Quanto à Lei do Bem, mais de mil empresas utilizaram seus benefícios fiscais para investir em inovação desde que ela foi regulamentada, em 2005. Mas considerando o tamanho do Brasil e a quantidade de empresas no país, esse número pode e deve aumentar. As empresas precisam estar mais informadas sobre os benefícios oferecidos pela lei. O mesmo vale para a Bahia.

Qual é o objetivo do Living Lab  (“laboratório vivo”) no Parque Tecnológico da Bahia? Quando terminará? Como é a participação do Instituto Fraunhofer?
O projeto Smart City Living Lab tem como meta oferecer um ambiente no Parque Tecnológico para demonstrar o conceito de Cidades Inteligentes. Em geral, um living lab é um ambiente onde os visitantes podem ver como as tecnologias inovadoras, como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) podem ser usadas na prática, no mundo real. Quanto mais as empresas interessadas estiverem envolvidas no processo de definição e avaliação dos demonstradores dos laboratórios, melhor será o living lab.

Quando vai ser concluído? Como é a participação do Instituto Fraunhofer?
O projeto terminará em dezembro de 2017, mas seus resultados deverão durar e contribuir para um ecossistema de inovação no estado. A participação do Fraunhofer será relevante durante o projeto para o processo de criação do living lab. O FPC-Ufba realizará o projeto com o apoio do Fraunhofer em Kaiserslautern  para garantir o rápido progresso na construção.

Como funciona a parceria com a Ufba? Por que a escolha de uma instituição baiana?
Um Instituto Fraunhofer está sempre ligado a uma universidade. Os Centros de Projetos Fraunhofer fora da Alemanha seguem esse modelo de negócio. Neste contexto, um relacionamento confiável é um fator chave. Neste sentido, o fato de que eu e Manoel Gomes de Mendonça Neto, professor da Ufba e hoje titular da Secti, já nos conhecermos de projetos acadêmicos anteriores bem-sucedidos foi fundamental para a parceria. A Ufba é a principal universidade da Bahia e atua na área de Engenharia de Software. O Grupo de Engenharia de Software, liderado por ele, no momento da assinatura do acordo de cooperação, em 2012, contava com oito pesquisadores com doutorado. Outro aspecto importante foi a disposição do governo do estado, por meio do ex-secretário da Secti Paulo Câmara, de prover a parcela local do financiamento. Hoje, o Centro de Projetos Fraunhofer da Ufba conta com 35 pesquisadores.

Qual é a sua avaliação da pesquisa realizada nas universidades da Bahia?
As universidades da Bahia estão entre as melhores do Brasil. Esta excelência é sublinhada pelo fato de que os professores de universidades da Bahia sempre são membros de comitês de programas e organizações das principais conferências científicas no campo da informática. Além disso, como já mencionado, o fato de que os resultados de pesquisa desenvolvidos na Bahia serem transferidos com sucesso para a indústria mostra o potencial e a qualidade das universidades. No entanto, a interação entre universidades e empresas ainda é incipiente. As universidades em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco têm uma tradição muito mais forte de realizar pesquisa aplicada e transferir seus resultados para a indústria. O governo da Bahia convidou Fraunhofer para estabelecer um centro de projetos há quatro anos exatamente por isso: construir uma ponte entre universidades e empresas para que a pesquisa realizada nas universidades possa resolver problemas enfrentados pelas empresas e os resultados da pesquisa possam ser explorados mais tarde pelas empresas para fechar o ciclo de inovação.

De que forma as pesquisas desenvolvidas aqui podem tornar a Bahia mais competitiva?
Investigação aplicada de alta qualidade é fundamental para a inovação. Sem inovação, as empresas tornam-se menos competitivas e perdem lugar no mercado. Acreditamos que o trabalho de inovação que tem sido promovido e realizado melhorará a posição do estado no cenário regional, nacional e internacional. Usando o projeto Rescuer como exemplo, várias prefeituras e organizações de gestão de emergências no Brasil entraram em contato com os coordenadores do projeto para usar a solução Rescuer em seus centros de comando e controle para melhorar seu desempenho. Aliás, a Rescuer pode ser adaptada para uso em outros cenários que se beneficiariam com dados provenientes diretamente de cidadãos e sendo visualizados de forma inteligente por um centro de monitoramento e controle. Tem um potencial real de exploração comercial.

O que o Brasil pode aprender com a Alemanha para superar a própria crise econômica?
No 33º Encontro Econômico Brasil-Alemanha, que aconteceu em setembro de 2015, o secretário de estado alemão para a Economia e Energia, Matthias Machnig, destacou alguns aspectos que ajudaram a Alemanha a superar muitas crises, incluindo a crise financeira internacional de 2008-2009. O primeiro aspecto mencionado foram as reformas sociais e trabalhistas, associadas a altos investimentos em educação, ciência e pesquisa. É importante destacar que a inovação é um fator chave para superar as crises econômicas. Este não foi apenas o caso na Alemanha; A Coreia do Sul é outro exemplo. Outro aspecto é a redução da burocracia, que não deve impedir a inovação. Portanto, o governo alemão aprovou novas leis para aumentar a eficiência administrativa.

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