Dário Sales Jr: É preciso abolir o quarto de empregada

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  • Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2017 às 08:59

- Atualizado há um ano

Ao se recusarem a realizar uma tarefa da disciplina ironicamente denominada "Casa Grande", alguns estudantes de arquitetura da UFMG iluminaram uma importante discussão: a persistência de espaços denominados "quarto de empregada" em empreendimentos residenciais. A meu ver, uma discussão tão importante quanto a que a última reforma trabalhista deveria ter ensejado. No entanto, cabe denunciar o tom polemista com que os estudantes abordaram tal questão. Ao tomar o interlocutor como um adversário, que não goza da sua legitimidade, e cujo discurso é preciso silenciar, o polemista é incapaz de fazer avançar novas ideias.  Dentre os comentários que se seguiram ao texto que denunciava o ocorrido, chamaram-me a atenção aqueles que exortavam os estudantes de arquitetura a mudarem de curso e migrarem para a sociologia. A caricatura do sociólogo como aquela figura quixotesca constantemente indignada é digna de nota. Não deixa de ser preocupante que, para alguns, a naturalização do status quo seja objeto de questionamento apenas para um grupo específico de indivíduos.  Diferente dos cursos de direito, que possuem uma disciplina específica para analisar os efeitos que as normas jurídicas exercem na sociedade, a sociologia jurídica, os cursos de arquitetura no país, em geral, não dispõem de algo semelhante. Em alguma medida, as experiências que os espaços ensejam, as relações sociais que eles ajudam a reproduzir deixam de ser uma preocupação central para os estudantes de arquitetura. Não há dúvida de que isso representa um empobrecimento na formação do arquiteto, que tenderá a tratar o espaço como mera res extensa. Ao se questionar sobre a disposição dos objetos em um dado espaço, ou sobre o que aquele cômodo é capaz de conter, uma imaginação empobrecida dificilmente elencará experiências de vida.  O quarto de empregada evidencia em toda a sua extensão que a sua função não é meramente servir de abrigo, mas de relembrar à sua ocupante o seu lugar de subalternidade. Nos apartamentos de dimensões cada vez mais diminutas, quando existe, o quarto de empregada apresenta condições de habitação inferiores aos de cômodos de ocupação provisória, como o quarto de hóspedes, por exemplo. Basta observarmos a área destinada às empregadas em relação aos outros cômodos da casa e a total negligência com os parâmetros de conforto ambiental, como iluminação e ventilação naturais. Além disso, dormir no trabalho, isto é, estar disponível 24 horas por dia ao empregador, não pode ser considerado uma opção a priori. Os estudantes da UFMG estão cobertos de razão ao se recusarem a contribuir para a perpetuação deste tipo de relação social.  No entanto, como é possível avançar nesta discussão sem negligenciar o discurso  de toda uma classe média que depende do trabalhador doméstico? Não podemos esquecer que o mundo não se divide simplesmente em exploradores e explorados.  A PEC das domésticas sancionada durante o governo Dilma Rousseff foi considerada um avanço do ponto de vista da legislação trabalhista e representou uma significativa mudança nas relações entre empregadores e aquelas que são consideradas quase da família. Penso que o debate em torno do quarto de empregada deva percorrer caminho semelhante. Uma vez que a dependência mútua entre classe média e empregadas domésticas está longe de acabar, os arquitetos devem garantir às empregadas a mesma dignidade e conforto que são pensados e ofertados aos demais ocupantes da casa. No entanto, como os arquitetos, em geral, não são os donos das construtoras e não constroem apenas para si não podem responder exclusivamente por suas decisões projetuais. Deste modo, compete à classe política regulamentar através do Código de Obras e fiscalizar nas instâncias cabíveis se os projetos apresentados coadunam com um novo mundo possível ou se se limitam a reproduzir o nosso passado escravista.   Dário Sales é mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e estudante de Arquitetura e Urbanismo na mesma universidade