Flavia Azevedo: 'Essa maré de desqualificação de todo e qualquer homem'

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Publicado em 22 de julho de 2017 às 17:46

- Atualizado há um ano

Meu amigo tá muito preocupado "com essa maré de desqualificação total de todo e qualquer homem".  Disse que "essa onda de demonização geral dos homens tá foda" e não houve nada que eu falasse que fosse capaz de acalmar o bichinho. E eu fiquei tocada porque gosto do meu amigo. Mas, é aquela velha história de não se conseguir fazer omeletes sem quebrar os ovos. No caso, os ovos deles. Com chutes que, eu sei, estão doendo pra caramba. Lamento, mas não posso fazer nada.Há excessos? Talvez sim. Mas toda vez que eu vejo uma mulher com sangue nos olhos, generalizando, colocando todos os homens no mesmo saco, me vem à cabeça uma das poucas coisas que lembro das aulas de física:"a toda ação corresponde uma reação em sentido oposto e de igual intensidade", ou algo assim. E penso: demorou até demais. Na real, o que meu amigo precisa entender é que a gente sempre viveu num mar de desqualificação total de toda e qualquer mulher. Que de demonização da mulher a gente entende, desde a historinha de Adão e Eva. Que sempre foi foda e ainda tá longe de ficar bacana. Que não dá pra cobrar gentileza, leveza e paciência de quem leva chicote no lombo desde que nasceu. E que, ainda que muitas mulheres oprimam outras mulheres, na maioria das vezes o algoz tem barba e bigode. Meu amigo não está preocupado sozinho. Tem um monte de homem bacana pedindo que se separe o joio do trigo, que as mulheres entendam que nem todo homem é um inimigo em potencial. Tá. Também acho. Mas talvez esses rapazes queridos tenham chegado atrasados na luta pela própria imagem. 

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Flavia Azevedo: 'Não vim ao mundo para ser mãe de quem devia ser parceiro'Por que só apareceram agora? Onde estavam vocês, criaturas, nos últimos anos?  Só se tocaram quando parecer machista começou a pegar mal? Tô bem ligada em vocês. Meus amigos não estavam batendo em mulher, eu sei. Não me misturo com criminosos. Mas também não eram, exatamente, combatentes do machismo nem defensores inflamados da equidade de gênero. No mínimo, calaram. Então, vamos fazer a mea-culpa, deixar de frescura, sacudir a poeira e ver o que dá pra fazer. E desculpem, mas vou dizer: vocês estão de mimimi. Dá pra olhar pra dentro em vez de patrulhar o comportamento das moças? Cada uma se defende como pode e querer cagar as regras da revolução alheia é mais do mesmo, acreditem. É pagar mico. Assim, vocês não saem do lugar. Tem muita coisa pra arrumar aí. Certeza. E a primeira providência é parar de se queixar. Vão lavar seus pratos, fazer terapia, cuidar das crianças. Vão lendo uns livros, conversando com as mulheres que toparem conversar. Vão escutando muito, falando menos, entendendo que o terreno está minado, sim, mas que dá pra encontrar um caminho.Quando forem excluídos das conversas, tratados como "farinha do mesmo saco", quando as coisas ficarem difíceis numa mesa de bar cheia de mulheres, respirem fundo e assumam que vocês também tem responsabilidade nisso. Nascemos e crescemos nesse império de machos vocês ajudaram a construir, ainda que apenas ficando em silêncio. Quem cala consente, lembram?Por mais legais que vocês sejam, concordaram que vivêssemos num mundo que transformou cada mulher em uma potencial panela de pressão. Algumas tem paciência, outras não. Umas, distribuem sorrisos, são doces em suas colocações, entendem que o processo é lento, educam os filhos de um jeito melhor. Outras, devolvem o que receberam a vida toda: porrada forte. E não sou eu que vou julgar. Nessa história, há muitos poréns. Há a história pessoal de cada uma, o jeito, o modo de ser que é individual. Mas há algo bem importante que também não podemos esquecer: "quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor". E a educação machista não é libertadora. Sacaram? E vocês são parte disso. Beleza? Então, tá. Beijo. Tchau.

* Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo