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Rogério Menezes: eu & Tom Zé

Rogério Menezes
Atualizado em 23/10/2016 09:46:00

Quando vi Tom Zé pela primeira vez Tom Zé ainda nem era Tom Zé. Ele se autointitulava Antonio José e comandava programa de variedades & miudezas em geral na pioneiríssima TV Itapoan, de Salvador, em meados dos anos 1960. ‘Comandava’ é força de expressão. Na verdade, tabaréu, inseguro, gaguejante, claudicante, vacilante, parecia tão à vontade diante das câmeras quanto sapo-cururu-macho-alfa caído de paraquedas em aquário coalhado de peixinhos gays e multicores. Identifiquei-me de imediato com aquela criatura: adorei-lhe os olhos esbugalhados, e o assisti por semanas até a ‘desatração’ se autodestruir.

 

O mundo girou, a lusitana rodou, cheguei a 1968, quando dois acontecimentos marcantes viraram minha vida de ponta cabeça. 1. Louco por novidades desde a mais tenra idade, compro o vinil Tropicalia em loja de discos de Jequiébahia e quem revejo na capa? Cercado de tropicalistas de proa, o tabaréu de olhos esbugalhados, então de banho de loja tomado, veste paletó sobre camisa de gola rolê e segura bolsa chique de couro. 2. Em tevê mequetrefe, embasbaco-me diante da apresentação do outrora tabaréu baiano, então completamente pop, da cabeça aos pés, cantando a épica canção São São Paulo, Meu Amor no IV Festival da Música Popular Brasileira da TV Record.  [Então Tom Zé tomou-me todo para todo o sempre].

Em 1986, fiz o que todos os baianos da geração que me precedeu fizeram: peguei avião e troquei o bucolismo baiano pela loucura frenética da pauliceia desvairada que Tom Zé santificara 18 anos antes. Fui de mala e cuia. De fato, São Paulo era tudo aquilo e muito mais. Em dois meses me empreguei, por meio de concurso, num dos maiores jornais paulistanos. Precavido, mantive laços com a imprensa baiana e me tornei correspondente do falecido Jornal da Bahia. 

Antenado, agora quase vizinho de Tom Zé – morador de Perdizes; eu de Higienópolis -, eu soube: o bardo de Irará completava 50 anos. Marquei entrevista com o dito-cujo e, quando me vi frente com o menestrel, as pernas bambearam. Em meia hora, nos tornamos dois tabaréus do sertão baiano falando pelos cotovelos e gargalhando sobre as bobagens que bradávamos. Não lembro quase nada do que Tom Zé me disse, mas a seguinte hipérbole nem tão hipérbole assim continua até hoje na minha cabeça: - Anotaí. Todos os porteiros dos prédios de São Paulo são da Paraíba.

A lusitana voltou a rodar: a carreira de Tom Zé mergulhou em certo ostracismo. Isolado de Caetano e Gil, os ‘primos’ sempre famosos, de quem me falara algumas cobras e alguns lagartos na entrevista da qual quase não lembro nada, mergulhou em tempos de injustificado ostracismo. Quem tirou a ostra do fundo do mar foi, tramoias do destino, um gringo que até então nunca ouvira falar dele: o músico americano nascido na Escócia David Byrne redescobriu o bardo de Irará e o fez ganhar fama mundial.

Aos 80 anos completados em 11 de outubro, Tom Zé está cada vez mais jovem e vivo e forte do que nunca. [E eu, com vinte anos menos, me sinto cava vez mais tomado por Tom Zé].

Baiano de Mutuípe, o jornalista e escritor Rogério Menezes publicou os romances Meu Nome É Gal, Três Elefantes na Ópera e Um Náufrago que Ri. Também autor do livro de crônicas A Solidão Vai Acabar com Ela.

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