Trilhas: MC Brasil

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  • Aninha Franco

Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 04:14

- Atualizado há um ano

Enquanto andava pela festa de Yemanjá, quinta-feira, um texto que eu escrevi em 1990, na dramaturgia de Dendê & Dengo, com heresias à Baianidade, me era visível: “(...) Os orixás estão todos de ressaca. Tinta fraca, tinta fraca. Coisa de branco, meu! Coisa de preto, rei! Um digestivo Mike Tison na cabeça, beleza pura, beleza pura. Rolling Stones no Zouk e reggae no Curuzu. (...) Carne de sol com ket chup, maionese e dendê, carne de sol com ket chup, maionese e dendê” ecoava no cérebro enquanto eu andava entre sombreiros e isopores e mesas e cadeiras marcadas pela Skoll, pensando na senhora das águas, princípio da vida, e nas outras festas da Baía, iniciadas em 4 de dezembro de cada ano, com a festa para Oyá, senhora dos raios, e encerradas no encontro de trios do Carnaval da Praça Castro Alves, a mais delirante festa popular do planeta.

Pensava no tesouro hedonista que o povo criou para todos e que foi desidratando entre bobagens políticas nas nossas frentes, a partir dos anos oitenta, até restar praticamente a festa que eu percorri quinta-feira, pensando. Pensando que estão pretendendo proibir O teu Cabelo não Nega, Maria Sapatão, Cabeleira do Zezé no Carnaval que chega, e que eu caminhava entre paredões ensurdecedores tocando Meu Pau te Ama, de Mc Don Juan, Xereca, de Mc Loirinho, e Ô me Libera Nega, de Mc Beijinho. Pra mim, a música é o termômetro de uma sociedade. Se a música é criativa e bela, a sociedade está criativa e bela. Exemplifico que uma das primeiras providências nazistas foi proibir as criações de compositores judeus - Mendelssohn e Mahler - e a vanguarda de Schoenberg, Bartók, Stravinsky, tachada de degenerada pelo regime. Exemplifico os aprisionamentos e assassinatos de centenas de compositores e instrumentistas nos campos de concentração do regime, com a cumplicidade de artistas como Herbert von Karajan - filiado ao Partido – e Wilhem Furtwängler, e a resistência dos prisioneiros com a música, até a morte. E lembro que a música ressurgiu dessa hecatombe toda, do bombardeio atômico de Hiroxima e Nagasaki e da monstruosidade da segunda guerra grandiosa em muitos lugares depois disso, inclusive no Brasil, com toda sua beleza. O hino do país que meu cérebro habita é Imagine, de John Lennon.Fala-se muito na harmonia da comida com a bebida, e pouco da harmonia da música com a comida, com a bebida, com os espaços, com o diálogo, com o amor, com a vida. Os orientais usam a música para purificar a alma e curar enfermidades. Os ocidentais usam a música para tudo, e se não se sabe como ela foi criada pelos homens, desconfiemos que ela surgiu para que os homens falassem com os deuses e se declarassem amor. Parte da música, muito escutada, da atual criação brasileira nos adverte que os brasileiros estão com problemas sérios de comunicação entre si e de comunicação com os deuses. Se numa festa em homenagem a uma entidade ligada à água, ao princípio da vida, o que se escutava era tão constrangedor, nossa sociedade está doente, está desidratada da delicadeza de 70% da água de nosso corpo, e de 70,8% do conforto com que a água cobre o Planeta Terra.