Coluna Vertebral: As nove luas da matriarca Ceci

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  • Da Redação

Publicado em 1 de julho de 2017 às 21:26

- Atualizado há um ano

O vô materno José de Souza Menezes, que não conheci, teve dois casamentos.  Ainda moço se uniu à viúva Senhorinha Maria de Jesus, já mãe de dois filhos – e geraram outros três: Crispim, meu pai,  tio Antônio e tia Verônica. Enviuvado e maduro, casou com jovem donzela: Ana (Ceci). Nasceram-lhes nove luas (nomes fictícios; sete dessas minhas queridas tias ainda vivem firmes e fortes e não pretendo melindrá-las):  Veridiana, Vera – as que já morreram – e  Cecília,  Dalva, Irene, Dora e Alice (gêmeas), Adélia e Clarice. [Em 1969, quando saí de casa para estudar em Salvador, foi na casa de ‘tia’ Ceci – localizada na Avenida Joana Angélica, 23, terceiro andar, a 200 m da Praça da Piedade, centro nervoso da capital baiana – que me abriguei por um ano].

Tia Ceci era criatura aguerrida, valente, sensata e determinada. Ao enviuvar do meu vô José vestiu preto para sempre – e nem os cabelos deixou embranquecer: sem tintura alguma, lhe foram negros feito o asfalto até a morte. Detalhe fundamental: era o sol em torno da qual as nove luas que pariu giravam.

Lembro como se fosse agora:  em frente à tevê em preto e branco, e chuviscosa,  duas de minhas tias, Dora e Clarice, se debulhavam em lágrimas diante de capítulo de A Rosa Rebelde, de Gloria Magadan, xaroposa telenovela global. Minha vodrasta (como, em neologismo afetivo, posso  melhor defini-la) passou, de maneira ostensiva, na frente das duas, arrastando as sandálias, como lhe era peculiar, e vociferou: - Bando de desocupadas! Vão procurar o que fazer. Isso aí é tudo de mentira.

Hiperativa, passava o dia em eterno labor: cozinhava, cosia, lavava, costurava, varria casa, conversava muito – e desfilava, sempre serelepe, pelo corredor, sem destino e finalidade aparentes. Só parava terça-feira à noite. Era–lhe momento sagrado de rezar o santo ofício, em volta de altar improvisado onde imperavam velas acesas e as imagens de Cristo na cruz, a de Nossa Senhora das Graças, e as de vários santos. Faziam-lhe companhia nessa reza as filhas lunares que ainda não tinham casado – Veridiana, Dora e Clarice – e este neto-enteado que então ali morava.

Eu adorava. Ela puxava a ladainha e o coro respondia. Recordo-me vagamente das palavras  oradas. Mas ficou-me na mente certa louvação em latim: tia Ceci dizia alguma cantilena, e nós complementávamos: - Ora pro nobis!Tia Ceci quase nunca saía de casa – limitava-se a apreciar a cidade de Salvador do alto, no parapeito de varanda rústica. Não por desânimo  de descer e subir os cerca de 70 degraus que a separavam da rua – não, minha vodrasta tinha o fôlego de sete gatas e nunca regateava. Amava-me muito e eu a amava também. Não era de afagos e mimos.  Mas me senti ancorado, e bem ancorado, na casa de minha querida  vodrasta na primeira parada fora de casa, na longa série de endereços que tive e tenho nesta vida provisória que levei e levo - e todos levamos.