Rogério Menezes: Se correr ou se ficar o bicho que come é a fome

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Publicado em 9 de abril de 2017 às 07:47

- Atualizado há um ano

Quais limites de moralidade estaríamos dispostos a ultrapassar para não morrermos de fome? Os pragmáticos responderão: - Todos, dos triviais roubar e matar até  os que mais vierem. Os desapegados a aspectos ontológicos e religiosos dirão: - Deixar-me-ia morrer. [O voluntarismo seria tachado de suicídio, condenado pelos atiradores de pedra, mas não seria este o busílis – o busílis é: o que somos capazes de cometer para não morrermos de fome?]Advogado do diabo de mim mesmo, acho a questão acima hipermegaburguesa. Nonsense, sádico, cínico e crime de lesa-humanidade tentar perguntar tal asnice aos milhões de terráqueos que se deixam imolar por fomes demolidoras pelos quatro cantos do mundo. [Questão técnica: abramos mão desse grupo que morre de fome por não ter outra forma de morrer, e voltemos a nos ater ao resto da manada, a privilegiada, a que tem o que comer ou a que não tem o que comer, mas que, ao chegar aos píncaros da miséria, talvez alguém lhe pergunte: - O que você faria para não morrer de fome?]Haverá quem faça, e é legítimo que aja assim, qualquer coisa para não morrer de fome: 1. Gentes que inventam alguma inusitada forma de ação sensacionalista que faz com que outros humanos lhe disparem moeda salvadora.  2. Pessoas que grudam a bunda nas calçadas das cidades e repetem a ladainha: - Uma esmola pelo amor de Deus!Devo garantir, caso o leitor tenha alguma dúvida, são atitudes seminais, terminais, truques tirados da cartola como única saída para adiar a morte. Não os culpemos, ao contrário, enalteçamos a coragem que demonstram – já passou pela sua cabeça precisar morar na rua? Tais atitudes têm a idade do mundo – e a maioria esmagadora de nós finge que as ignora até, tramoias do destino, sermos empurrados para os grupos citados no parágrafo anterior.Ando pelos quatro cantos de Jequié-Bahia todas as manhãs. Lambo memórias e vejo cenas que jamais vislumbraria. No momento em que o sinal vermelho acende, no cruzamento das avenidas Castelo Branco e Landulfo Caribé, no bairro Jequiézinho - o refugiado venezuelano, de Maracaibo, Jean Carlo, 19, tem a extrema coragem de dominar, à unha, as dezenas de mototourociclistas sem rostos, todos desembestados. [Automóveis – nesta cena, menos ameaçadores – param devagar feito carroças do velho oeste].Diante dessa manada de predadores, Jean Carlo tem um minuto – cronometrado por relógio despertador ao lado da pista que apita quando deve parar a performance e ter vinte segundos para pedir moedas aos espectadores antes de o sinal abrir. Uma criança chora no banco traseiro de um carro. Os motoqueiros fingem não o enxergar e o ameaçam com o ronco dos motores.[A atração que o garoto venezuelano oferece a essas bestas-feras? Malabarismo no qual malabares são trocados por amolados e pesados facões. O clímax da performance: Jean Carlo equilibra o cabo de um facão na testa e divide dois outros com velocíssimos movimentos de mãos]. [Viva o povo venezuelano!]*Baiano de Mutuípe, o jornalista e escritor Rogério Menezes publicou os romances Meu Nome é Gal, Três Elefantes na Ópera e Um Náufrago que Ri. Também autor do livro de crônicas A Solidão Vai Acabar com Ela