Mutirão de grafiteiros transforma Ladeira da Preguiça em ateliê a céu aberto

As periferias em que muitos dos grafiteiros nasceram são os locais preferidos quando o assunto é estampar a arte produzida por eles

Publicado em 24 de março de 2017 às 18:30

- Atualizado há um ano

A movimentação rotineira de carros e moradores na Ladeira da Preguiça dividiu espaço hoje com um mutirão de grafiteiros que levou cores aos muros e fachadas de uma das ladeiras mais famosas de Salvador. A ação, que faz parte da terceira edição do Festival de Grafitti Bahia de Todas as Cores, reuniu dezenas de artistas de rua durante todo o dia para reavivar os desenhos já desgastados do local.Durante todo o dia, grafiteiros trabalharam em muros e fachadas de casarões na Ladeira da Preguiça; alguns desenhos antigos foram mantidos (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)Com o tema Colorida Cidade Viva, o festival segue com ações gratuitas pelo Centro antigo até domingo, em locais como a Barroquinha, a Praça Castro Alves e a Ladeira da Montanha. “A ideia é articular os artistas e produtores que vivem do grafite e também agregar a comunidade de modo a valorizar a cidade”, explica Carol Garcia, uma das integrantes do Coletivo Vai e Faz, responsável pelo evento.

TransformaçãoMarcando presença no evento pela segunda vez, a grafiteira Isabela Pita, 20 anos, moradora do bairro da Liberdade, escolheu o mesmo pedaço de muro em que pintou ano passado. “Quis pintar por cima de uma sereia que eu tinha feito porque já mudei muito meu estilo de lá para cá. Já tenho mais de um ano pintando e você vai vendo a evolução”, comenta. O desenho escolhido por ela dessa vez também foi uma figura feminina, psicodélica e multicolorida. “Sempre desenho mulheres, acho importante fortalecer nossa presença no grafite”, afirma.

Zeze Olukemi e seu desenho realista inspirado em personagem do filme Beasts of No Nation(Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)A presença cada vez maior das grafiteiras no evento também foi comemorada pelos homens. “Há um tempo você não conseguia ter tão forte essa diversidade. Era um ambiente muito masculino, e é sempre bom ver as mulheres chegando”, destaca o artista visual Zeze Olukemi, 36 anos, do Cabula.

Adepto da técnica realista, ele escolheu o rosto de uma criança negra que é transformada em soldado durante a Guerra Civil da África do Sul, personagem do filme Beasts of No Nation (2015). “Gosto de desenhar coisas que envolvam questões raciais, que representem tantos nossos heróis quanto nossas lutas”, explica enquanto trabalha nos detalhes do rosto do menino. 

Arte de ruaAs periferias em que muitos dos grafiteiros nasceram são os locais preferidos quando o assunto é estampar a arte produzida por eles. "Acho que os lugares marginais se atraem. As pessoas que estão à margem abam se atraindo, ainda bem! São pessoas que se entendem e isso é importante para a arte e para os próprios moradores, que percebem o lugar se transformar, ganhar visibilidade", comenta a artista Tata Ribeiro.Cenário de uma realidade dura, cercada de prostituição, violência e tráfico de drogas, a Ladeira da Preguiça usa a cultura para se transformar cotidianamente. Eternizada em música de Gilberto Gil, não é de hoje que a ladeira encara a arte, e especialmente o grafite, como fator transformador do cenário de abandono.No início deste ano, o grafite esteve no centro das atenções depois de o prefeito de São Paulo, João Doria Junior (PSDB), cobrir com tinta cinza murais da Avenida 23 de maio, uma das mais importantes da cidade. "Acho que depois da polêmica, que quis criminalizar muitos de nós, o grafite passou a ter uma visibilidade ainda melhor. Essa é uma arte de rua, não tem como ser colocada em um lugar específico, um grafitódromo, como ele queria.  Faz parte da liberdade do grafite dialogar com o espaço público", comenta o grafiteiro Nid, de Cajazeiras.Tata Ribeiro (à frente) e o sócio Nid: amanhã os dois farão grafitagem na Barroquinha(Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)Para Tata Ribeiro, ter um lugar em que se valorize a arte dos grafiteiros é interessante, desde que não seja proibido aos artistas ocuparem outros lugares. "Acho que tem um lado positivo porque um local como esse exigiria uma aplicação de recursos constante para o grafite, mas o lado negativo é que nossa arte dialoga com temas políticos, com coisas do lugar onde a arte chega, e isso não pode estar limitado a um espaço determinado", opina.

Com debate focado na profissionalização da arte urbana, os espaços que o grafite pode ocupar foi tema da mesa de abertura do evento, na noite de quinta-feira (23), no Espaço Cultural da Barroquinha. Até domingo, várias atividades do Festival de Grafitti Bahia de Todas as Cores serão desenvolvidas no local e também no entorno. A programação é apoiada pela Fundação Gregório de Mattos e integra o Festival da Cidade, comemorativo dos 468 anos de Salvador.

Confira programação:

Sábado (25)- grafitagem em paineis espalhados pelo entorno da Barroquinha; batalha de MCs (17h); discotecagem (19h) com os DJs Marve e Kajaman; e show do grupo Roça Sound (21h30)

Domingo (26) - Grafitagem ao longo do dia, oficina de grafite para crianças (14h); apresentações artísticas: Playgrude, Slam das Minas (17h), performance poética de Marcio Slam (18h) e grupo Funfun Dúdú (19h)